Sento perto da janela, uma brisa levemente fria invade a brechinha aberta.
Abro o livro com cuidado acariaciando as palavras. A menina senta ao meu lado de olhos úmidos. Repetidas vezes enxuga o rosto com as mãos, depois as mãos no vestido, nervosamente. Eu investigo com o canto dos olhos: a menina chora. Por um tempo, desconcertado, miro inutilmente as palavras que vão se embaralhando na página branca do livro. Quero dizer alguma coisa, não que a conforte, mas que a distraia ou pelo menos a faça se sentir menos só. Olho de novo, de soslaio. Hesito. Por baixo das lágrimas o rosto bonito da menina me faz pensar... Certamente, há de achar que tenho cá comigo outras intenções que não a de consolá-la mesmo que momentaneamente. Certamente não há de perceber no abatimento recente do meu rosto, nestas rugas novas, toda a solidão que tenho passado nos últimos meses. Não há de ler no meu rosto a vontade de impedir que alguém se sinta como eu me senti há tempos atrás, chorando só no ônibus de volta pra casa e dando desculpas esfarrapadas para os nós do meu rosto a cada dia no trabalho: dormi mal, ando tendo noites de insônia, dormi muito, vi um filme, sai e voltei tarde para casa - mentiras cotidianas. A ninguém eu pude ser sincero e dizer: sofro. Apenas isso. É isso que crispa o meu rosto, é isto que me tornou em tão pouco tempo esse novo ancião. E por mais que o tempo vá curando os males, não desfaz estas marcas. Não... A menina ao meu lado não haveria de ter sofrido o bastante em sua recente existência para entender o meu sofrimento ao vê-la sofrendo. Talvez ela mudasse de assento. Talvez descesse do ônibus desesperada. Achei melhor me calar. Mas a repetição de seus gestos me atingia em cheio: eu não conseguia ler. Depois de muitas curvas, de muitas vezes ter passado as costas das mãos no rosto e muitas vezes tê-las enxugado no vestido - eu já lembrando da sensação da roupa úmida de solidão - ela se acalmou. Consegui ler algumas linhas no meu momento de egoísmo ou auto-defesa... não sei. Olhei de novo e vi os cílios unidos de lágrimas. Não pude. Baixei os olhos, depois olhei pra janela tentando evitar que eu também chorasse. Logo depois, ela levantou e desceu. Num ponto qualquer, num espaço qualquer entre o lugar que trabalho e o lugar que eu moro. E eu voltei, vencido, cansado, para casa. Acendi a luz do apartamento, bebi um gole de água. E requentei de novo aquele resto de solidão.
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