Eu revirei tuas páginas
até encontrar as palavras
que falavam de mim.
Desencapei teu livro
em busca de uma dedicatória
qualquer
em vão:
só havia silêncios.
Reli todas as notas
do autor
e do revisor.
Não havia respostas. Não havia entrelinhas.
Procurei nos índices e nos anexos.
Nada.
No livro desbotado e amarelecido de tua vida
nenhuma palavra sobre mim.
terça-feira, novembro 27, 2007
domingo, novembro 18, 2007
Sapatos Vermelhos
II
Dou uma topada com o pé esquerdo na perna da cama. A lágrima pula teimosa do olho.
Atrasada, entro no banho e não consigo regular a temperatura: ferve de raiva ou gela de solidão a água. Me enxugo já sem paciência. Tem dias que nem ficar triste cai muito bem.
Procuro a escova pela casa e não acho, saio com os cabelos desgrenhados pelo corredor.
Pego uma chuva pelo caminho que estraga a pequena alegria da camurça vermelha de meus sapatos novos. Não há de ser nada - tento me consolar mentalmente.
Pego o ônibus cheio e cansado... Vou sacolejando por mais de uma hora e meia num trânsito sem precedentes para o horário. Depois de dois pisões no pé e um guarda-chuva molhado que destruiu o livro que eu trazia nas mãos, recebo uma cotovelada na cabeça, logo antes de saltar. Os sapatos vermelhos pisam a areia da calçada. Olho a praia em frente, o prédio... Quase não hesito. Atravesso a rua por entre os carros engarrafados, corro em direção à água, jogo o livro na areia e me sento observando as ondas...
Passo a manhã sob a chuva fina e o ar úmido que vem do mar. As ondas entoando como um mantra.
Olho mais uma vez para os sapatos destruídos antes de atirá-los ao mar...
Não há de ser nada.
Dou uma topada com o pé esquerdo na perna da cama. A lágrima pula teimosa do olho.
Atrasada, entro no banho e não consigo regular a temperatura: ferve de raiva ou gela de solidão a água. Me enxugo já sem paciência. Tem dias que nem ficar triste cai muito bem.
Procuro a escova pela casa e não acho, saio com os cabelos desgrenhados pelo corredor.
Pego uma chuva pelo caminho que estraga a pequena alegria da camurça vermelha de meus sapatos novos. Não há de ser nada - tento me consolar mentalmente.
Pego o ônibus cheio e cansado... Vou sacolejando por mais de uma hora e meia num trânsito sem precedentes para o horário. Depois de dois pisões no pé e um guarda-chuva molhado que destruiu o livro que eu trazia nas mãos, recebo uma cotovelada na cabeça, logo antes de saltar. Os sapatos vermelhos pisam a areia da calçada. Olho a praia em frente, o prédio... Quase não hesito. Atravesso a rua por entre os carros engarrafados, corro em direção à água, jogo o livro na areia e me sento observando as ondas...
Passo a manhã sob a chuva fina e o ar úmido que vem do mar. As ondas entoando como um mantra.
Olho mais uma vez para os sapatos destruídos antes de atirá-los ao mar...
Não há de ser nada.
terça-feira, novembro 13, 2007
Sapatos Vermelhos
I
Ele abriu lentamente a porta e entrou no quarto. Trazia um ramalhete de flores do campo que colocou num copo de plástico ao lado da cama levemente erguida. Olhou triste para o soro que pingava como um conta gotas. Ela abriu os olhos. Não dormia, afinal. Tentou sorrir. Ele retribuiu o que pensou ser um sorriso. Quero ver a praia, ela disse. Vinha pedindo há dias. O coração dele se machucava a cada vez que ela pedia. E se ela não vivesse muito mais? Valeria a pena, no final das contas, negar-lhe? Ela adivinhava. Quero ver o mar, Francisco. Me leva... Agora. Ele tinha lágrimas nos olhos e a voz trêmula quando disse: mas você pode se sentir mal... Pode não fazer bem pra você. Não seria melhor esperarmos que você se sinta melhor? Tenho certeza que... Francisco, eu não vou melhorar. Dessa vez ele não teve forças pra dizer que aquilo era bobagem. Fechou os olhos cansado e deixou as lágrimas correrem livres. Ela pediu de novo: agora. Ele abriu o armário, tirou umas roupas e o par de sapatos vermelhos que ela tinha usado quando chegou ao hospital 20 quilos atrás. Chamou uma enfermeira e foi até a recepção. Pediu para assinar o termo de responsabilidade. A mulher atrás do balcão olhou atônita para ele. Depois sorriu compreendendo. Disse que preparia o termo o mais rápido possível. Então ele voltou ao quarto, ajudou-a a se trocar, a calçar os sapatos vermelhos. Tudo estava largo. As roupas eram irreparavelmente inapropriadas. Mas parecia que ela tinha recuperado algo do brilho dos seus olhos. Agora tão opacos. Ele desceu com ela nos braços, assinou o termo no balcão enquanto as pessoas que passavam observavam assustadas. Então saíram. Duas quadras e já podiam ver o mar. Ele a pousou na areia por um instante enquanto tirava o sapato social. Desabotoou a camisa amassada, enrolou as mangas e a retomou nos braços. Mais próximos da água, voltaram a se sentar. Ela encostada no peito dele. Observando. Sim, agora era um sorriso... E haveria lágrimas de emoção se não se sentisse tão cansada. Sorriu. Sorriu como se ainda fosse aquela menina forte e saudável, dançando pela sala, sapateando no chão os seus sapatos novos de um vermelho vibrante. Ela o olhou por um tempo, agradecida. Por instantes, ele sorriu também despreocupado. Ficaram assim abraçados por muito tempo olhando o mar.
No meio da espuma das ondas quebrando, uma gaivota atrevida pescava. Você viu? Mas ela não respondeu...
Um vendedor ambulante observa um homem na praia chorando abraçado a uma mulher que parece morta.
Ele abriu lentamente a porta e entrou no quarto. Trazia um ramalhete de flores do campo que colocou num copo de plástico ao lado da cama levemente erguida. Olhou triste para o soro que pingava como um conta gotas. Ela abriu os olhos. Não dormia, afinal. Tentou sorrir. Ele retribuiu o que pensou ser um sorriso. Quero ver a praia, ela disse. Vinha pedindo há dias. O coração dele se machucava a cada vez que ela pedia. E se ela não vivesse muito mais? Valeria a pena, no final das contas, negar-lhe? Ela adivinhava. Quero ver o mar, Francisco. Me leva... Agora. Ele tinha lágrimas nos olhos e a voz trêmula quando disse: mas você pode se sentir mal... Pode não fazer bem pra você. Não seria melhor esperarmos que você se sinta melhor? Tenho certeza que... Francisco, eu não vou melhorar. Dessa vez ele não teve forças pra dizer que aquilo era bobagem. Fechou os olhos cansado e deixou as lágrimas correrem livres. Ela pediu de novo: agora. Ele abriu o armário, tirou umas roupas e o par de sapatos vermelhos que ela tinha usado quando chegou ao hospital 20 quilos atrás. Chamou uma enfermeira e foi até a recepção. Pediu para assinar o termo de responsabilidade. A mulher atrás do balcão olhou atônita para ele. Depois sorriu compreendendo. Disse que preparia o termo o mais rápido possível. Então ele voltou ao quarto, ajudou-a a se trocar, a calçar os sapatos vermelhos. Tudo estava largo. As roupas eram irreparavelmente inapropriadas. Mas parecia que ela tinha recuperado algo do brilho dos seus olhos. Agora tão opacos. Ele desceu com ela nos braços, assinou o termo no balcão enquanto as pessoas que passavam observavam assustadas. Então saíram. Duas quadras e já podiam ver o mar. Ele a pousou na areia por um instante enquanto tirava o sapato social. Desabotoou a camisa amassada, enrolou as mangas e a retomou nos braços. Mais próximos da água, voltaram a se sentar. Ela encostada no peito dele. Observando. Sim, agora era um sorriso... E haveria lágrimas de emoção se não se sentisse tão cansada. Sorriu. Sorriu como se ainda fosse aquela menina forte e saudável, dançando pela sala, sapateando no chão os seus sapatos novos de um vermelho vibrante. Ela o olhou por um tempo, agradecida. Por instantes, ele sorriu também despreocupado. Ficaram assim abraçados por muito tempo olhando o mar.
No meio da espuma das ondas quebrando, uma gaivota atrevida pescava. Você viu? Mas ela não respondeu...
Um vendedor ambulante observa um homem na praia chorando abraçado a uma mulher que parece morta.
segunda-feira, novembro 05, 2007
Personagem
A cada golpe eu finjo
que o coração magoado suporta
que os pés feridos de caminhar
aguentam
que o que tenho nos olhos
é poeira
e não lágrima
que a amargura da voz é cansaço.
E não
solidão.
que o coração magoado suporta
que os pés feridos de caminhar
aguentam
que o que tenho nos olhos
é poeira
e não lágrima
que a amargura da voz é cansaço.
E não
solidão.
sábado, novembro 03, 2007
Não
Eu exigi de você
as palavras que eu queria ouvir.
Levei muito tempo pra entender
que o seu silêncio negava
aquilo que eu pedia.
as palavras que eu queria ouvir.
Levei muito tempo pra entender
que o seu silêncio negava
aquilo que eu pedia.
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