segunda-feira, dezembro 27, 2004

Receita de Ano Novo

"Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre."

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, dezembro 22, 2004

Relíquia

Entrou no quarto. As cortinas fechadas não permitiam a luz entrar. Parou uns segundos na porta esperando que os olhos se acostumassem com a penumbra. Pouco a pouco diante de seus olhos foram surgindo: o chão empoeirado, o armário de roupas tomadas pelas traças. O passado ali, assim, completamente exposto.
Restava alguma coisa das vidas que ali viveram.

terça-feira, dezembro 21, 2004

Presenças

VI

Antonio entrou no ônibus.
Dissera apenas que faria uma viagem curta. Ela ficava a pensar que ele retornaria em poucos dias. Antonio não tinha quase nada e levava o pouco que tinha. Para alguém que fugia de seus próprios sentimentos ele sabia o quanto era danoso criar raízes.
Chovia ainda. A janela embaçava.
Debaixo da chuva, de repente, ela entendeu. Antonio não voltaria. As gotas escorriam pelo seu rosto e ela murmurou: fica.
Pouco depois, o ônibus partiu.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Tempo tempo, mano velho

Apenas para dizer que o tempo tem andado a passos largos.
Ligo para uma amiga que está no aeroporto. Ela chora ao telefone se despedindo. Parte para rever brevemente a família e logo depois alcançar novos horizontes. Fico feliz por ela. Sei o quanto ela merece essas conquistas grandiosas demais... Mas sofro também antecipadamente com sua futura ausência. Meus olhos se enchem de lágrimas mas tento não deixar que ela perceba - como eu quero que tudo dê certo para essa menina.
Venho andando pela rua no fim da tarde nesse dia. As pessoas caminham com uma calma rara no centro da cidade. É quase fim de tarde e o sol quente neste dia quase fresco me faz me perder em pensamentos e saudades. Esbarro com um amigo que me abraça. Ficamos de combinar um almoço. Aliás, hoje mesmo almocei com outro amigo que não via há tempos. Ele me diz que eu faço falta e acolho suas palavras com especial carinho. Ele me é muito caro. O tempo tem sido sábio, tem me apresentado pessoas, tem até levado essas mesmas pessoas de mim. Tem me afastado de alguns. Mas tem também me reaproximado de velhos amigos, amigos de infância. E tem me feito redescobrir alguns. De uma forma ou de outra tudo tem se renovado.