Até que um dia ela decidiu fugir. Pensou nas coisas que devia levar: os cigarros que não fumava, os incensos que já não acendia há anos e que um amigo da adolescência havia dado - quase perderam o cheiro. Naquela mania louca de guardar para lembrar e não viver.
Depois pensou que levaria os livros. Sim, os livros. Aqueles com anotações. Coisas sublinhadas cujo motivo ela já não sabia. Queria lembrar. Não podia.
Pensou ainda em levar os remédios. Os diagnósticos infelizes, uma ou duas fotos, algumas 3x4... P&B, algumas coloridas. Não sabia.
Pensou melhor: seria melhor não levar nada. Iria com a mochila vazia.
Talvez então pelo caminho acumulasse algo. Algo que ainda não a pertencia. Nem isso queria. Decidiu não levar mesmo nada. Nem bolsas, nem carteiras, nem maquiagens. Lenços, mudas de roupa. Nada. Escolheu uma roupa velha qualquer. Uma calça jeans surrada e saiu.
Fugiu até se perder. E até esquecer. E fugiu sempre antes que soubessem que era ela. Antes que ela pudesse lembrar.
Fugiu de lembrar até esquecer.
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