quarta-feira, fevereiro 20, 2008

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Insólito

E o sonho era assim: ele viria em silêncio quando nada mais restasse. Quando tudo fosse pó, vestígio desenganado.
Ele viria quando as flores do jardim tivessem secado. Quando já não houvesse mais jardim. Quando todas as plantas tivessem morrido tristonhas em seus vazos, quando o disco da cantora francesa estivesse mofado e o banheiro adquirisse aquele cheiro medonho dos lugares fechados há muitos anos atrás.
Viria taciturno, encolhido. Calado.
Mas viria.
Quando a geladeira estivesse vazia e desligada, os temperos mofados nos frascos, a alquimia das manhãs desfeitas e as folhas secas espalhadas pelo chão da sala.
Ele viria.
Traria nos olhos algumas rugas tristes que ela jamais conhecera, traria mãos murchas de saudade... Traria nos passos um retorno triste...

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

A Fuga

Até que um dia ela decidiu fugir. Pensou nas coisas que devia levar: os cigarros que não fumava, os incensos que já não acendia há anos e que um amigo da adolescência havia dado - quase perderam o cheiro. Naquela mania louca de guardar para lembrar e não viver.
Depois pensou que levaria os livros. Sim, os livros. Aqueles com anotações. Coisas sublinhadas cujo motivo ela já não sabia. Queria lembrar. Não podia.
Pensou ainda em levar os remédios. Os diagnósticos infelizes, uma ou duas fotos, algumas 3x4... P&B, algumas coloridas. Não sabia.
Pensou melhor: seria melhor não levar nada. Iria com a mochila vazia.
Talvez então pelo caminho acumulasse algo. Algo que ainda não a pertencia. Nem isso queria. Decidiu não levar mesmo nada. Nem bolsas, nem carteiras, nem maquiagens. Lenços, mudas de roupa. Nada. Escolheu uma roupa velha qualquer. Uma calça jeans surrada e saiu.
Fugiu até se perder. E até esquecer. E fugiu sempre antes que soubessem que era ela. Antes que ela pudesse lembrar.
Fugiu de lembrar até esquecer.