II
É cedo ainda. O sol vem me chamar na cama ainda bem cedo nesse sábado. Abro os olhos como se estivesse desperto desde o dia anterior. Olho pela janela. Observo o movimento da rua sábado de manhã. Os sons. Crianças no colo dos pais, embrulho de pão, frango assado da padaria. Faz fila na padaria. Mas o sol ofusca meus olhos que dormiram pouco fazendo-os arderem. Fecho as cortinas.
Fica tudo escuro aqui dentro. Mais escuro do que já vem sendo. Passo os olhos de relance pelo telefone. Nem espero mais que toque, ruja, lata ou emita qualquer som. Tenho certeza de que emudecerá. Hoje, no fim da tarde, quando ela ligar, vou fazer as pazes com o telefone. Mas ainda é cedo e eu já não espero.
Sento-me no sofá, tento ler. Florentino Ariza ainda espera Fermina Daza tantos anos depois. Esperar, esperança, espera. Fecho o livro. Já não quero saber dessas tolices.
Olho o pão duro sobre o fogão. Resolvo sair. Calço meus chinelos e, só então, percebo como meus pés me doem. Passei o dia todo de sapatos calçados aguardando alguém que não viria, que não ligaria. Sinto raiva de mim. Por que ainda acreditar? Pego minhas chaves e saio. Lá fora tudo está alegre. Algumas poucas crianças andam de bicicleta na minha rua. Ando até a esquina, atravesso uma rua perpendicular à minha. Entro na padaria, olho para a moça do caixa e de repente não sei o que dizer. Volto para o final da fila. Dois pães franceses, por favor. Dou o dinheiro, recebo meu troco. Pego o embrulho e saio, ainda disperso.
De volta à casa, não sei o que fazer com um dia inteiro pela frente não planejado. Um dia inteiro para imaginar onde estaria e não estou. Até o sol vai desistindo lá fora e o frio vai tomando conta da casa. Olho a pia da cozinha: sequer tenho uma louça por lavar que ocupe meus pensamentos. Ou, pelo menos, minhas mãos. Maria deixou tudo com cheiro de limpo e um bilhete: "tem carne na geladeira". Preparo um café forte e sento-me à mesa. Ficarei aqui esperando o dia a escoar?
Passo manteiga no pão ainda quente. Tudo demora. O dia demora. A vida demora como se estivesse suspensa. Fico angustiado. Como se saber que vou viver as próximas horas nessa espera negada fosse um anúncio de morte.
Tomo meu café sem alegria. Resolvo voltar ao livro e leio até o meio da tarde quando a fome e a lembrança da carne na geladeira me tiram a concentração. Olho o relógio e felicito-me: passaram-se horas. Esquento a comida e me sinto triste, solitário nesse apartamento. Sequer convivo com Maria, sei de seus filhos, exatamente onde mora, o que faz quando não está aqui. Ela chega quando estou quase saindo e vai embora antes que eu retorne. Sequer converso com Maria. Sequer sei de suas necessidades. Esse pensamento estranho me perturba.
Sento-me à mesa e almoço só, como em todas as tardes de sábado. Lavo a louça bem comportado, enxugo os pratos. Então o telefone toca. Fico paralisado por alguns segundos. Depois enxugo as mãos no pano de prato colorido. Sento-me no escritório: "Alô?". Ela me sorri do outro lado. Desculpa-se brevemente por não ter ligado no dia anterior como combinado, diz simplesmente: "não deu". Como se pudesse amenizar toda a minha espera. Sorrio de volta e passo as mãos pelos cabelos, sorrindo, bobo. Ela parece ter tanto a me dizer...
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