quinta-feira, julho 27, 2006

À Espera

III

Acordo bem disposto, me arrumo. Tomo meu café rapidamente enquanto olho de relance o jornal. Pego um ônibus cheio: são sete e quarenta da manhã de uma segunda-feira e sabe-se lá porquê o trânsito no centro do Rio é caótico. Quando vejo, estou concentrado de novo em fazer com que o sinal abra. Nada adianta. Demoro mais uns 50 minutos para chegar no trabalho. O normal seria chegar em 15.
O escritório está quase vazio e frio como sempre. Inóspito, eu diria num dia menos feliz. Mas, ela telefonou e suas palavras ainda guardam dentro de mim. Sigo com um sorriso perdido até minha mesa, arrumo minhas coisas, ajeito o porta-retratos sobre a mesa com a fotografia de Elisa. Minha irmã me sorri de uma praça qualquer em algum lugar distante do mundo. Os cabelos ao vento sentada num balanço feito uma criança: como sempre, os pés fora do chão. É segunda-feira mas não parece: sinto-me animado.
Quando me dou conta são quatro horas da tarde e me lembro que dessa vez fiquei de ligar. Procuro o número anotado num papel colorido dentro da carteira. Disco os números nervoso. O telefone toca sem resposta. Tento mais tarde, penso. Pouso o aparelho no gancho e depois do que me pareceram alguns minutos ouço a voz de alguém que me chama ao lado: "Vamos almoçar? Já é tarde, a esta hora tem uns descontos por aí." Corri tanto que esqueci de almoçar. Não sinto fome e recuso o convite. Tudo me parece feliz, mesmo esquecer de almoçar.
São quase seis horas quando a fome aperta pra valer. Desço para fazer um lanche rápido. Preciso ainda voltar ao escritório, resolver algumas coisas e ir embora. Estou animado para terminar o que preciso no prazo. A semana está no começo e ainda não sei que se passariam mais dois dias até que eu conseguisse falar com ela.
Volto ao trabalho, termino alguns detalhes e vou embora. Na volta, o ônibus está vazio, sento-me e vou lendo as luzes da cidade no caminho de volta pra casa.
Entro e mesmo antes de acender a luz sei o que vou encontrar: a casa cheira a limpeza. Maria faz a faxina às segundas. Arruma o pouco que consigo desorganizar em meus finais de semana solitários neste apartamento. Abre cortinas, tira o pó. Deixa tudo com cheiro de limpo. Tiro meus sapatos e tomo um banho quente. Deito-me na cama para ler mas meus pensamentos estão em outras linhas.
A terça amanhece menos ensolarada. O trânsito parece menos monstruoso. Chego ao trabalho sem pressa. Passo o dia entre reuniões. A tarde está pelo meio quando tento ligar de novo. O telefone toca e uma voz eletrônica me diz que ou não está em casa ou não quer atender. Desligo. Nunca sei que entonação usar quando falo com ninguém. Desanimo um pouco mas não tenho tempo de pensar nisso: enquanto estava na reunião, 5 emails importantes chegaram, pedindo coisas, cobrando. Sinto-me exausto e a semana mal começou. Poderia também dizer que começou mal?
Quarta-feira. Meio da tarde. Tenho uns minutos livres e resolvo ligar. Já não sei o que dizer se ela atender do outro lado. Então ela atende como quem indaga algo de mim: "Oi?". Esperava alguém? "Não, estou saindo do banho, atendi meio atrapalhada", ela me disse. Ah, sim... e as palavras se perdem, como sempre que falo com ela. "Posso te ligar mais tarde? Daqui a uns minutos, prometo". Claro e desligo. Assim que pouso o telefone no gancho me lembro que ela só tem o telefone de minha casa. Parece que tudo gira em torno de um simples fio.

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